quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ajudei a prender o prefeito corrupto da minha cidade


Dona da história: Laurília Ruiz de Toledo, 49 anos, Ribeirão Bonito, SP
Reportagem: Gustavo Heidrich

Em seis meses eu e minhas amigas transformamos conversas de cozinha numa ação pública que derrubou o político.

Toda manhã tomávamos nosso café quentinho. Éramos sete, sempre na cozinha da loja de roupas da Lurdinha. Na pauta os desmandos do prefeito da cidade, Ribeirão Bonito, no interior de São Paulo: "Viu que agora ele anda com dois seguranças? Pra quem tava na pindaíba antes da eleição...", "A filha de carrão zero...", "Pior é a merenda das crianças! Onde vai parar a carne que a prefeitura compra?"

Com provas fomos ao Ministério Público

Antônio Sérgio Mello Buzzá, ex-PMDB, era o nosso alvo. Ele já tinha sido prefeito e deixou rombos nos cofres públicos. Quando foi reeleito, em 2000, arregaçamos as mangas. Entre um cafezinho e outro, o pusemos na cadeia.

Tudo começou quando recebi no meu escritório de advocacia um pacote anônimo. Abri e lá estavam notas fiscais, cópias de cheque em nome da prefeitura. Descobri que as notas eram impressas numa gráfica que não existia. Depois verifiquei que em várias notas constavam serviços que não tinham nada a ver com as empresas que emitiram as notas. Mas só essa minha investigação não valia na Justiça. Por isso eu e minhas companheiras fomos atrás de laudos técnicos e levamos o caso até a ONG Amarribo (Amigos Associados de Ribeirão Bonito), onde encontramos apoio.

Em outubro de 2001 entramos com uma ação civil pública, em nome da Amarribo, no Ministério Público e no Tribunal de Contas de São Paulo. Nela pedimos a investigação das coisas que achávamos "estranhas". Entre elas, o empreiteiro contratado para prestar serviços às escolas confessou que passava 90% do dinheiro para o prefeito; a prefeitura mostrava gasto de R$ 86 mil no ano de 2001 com carne para as escolas, mas as merendeiras nunca viram um bife sequer. Curiosamente, o carrão da filha do prefeito era o mesmo da frota de entrega do açougue; a gasolina da prefeitura vinha de Tapiratiba, a 160 quilômetros da nossa cidade, ao custo de R$ 1,79 o litro. Em Ribeirão Bonito saía por R$ 1,29. Em 250 dias o prefeito comprou 117 mil litros de gasolina para 18 carros. Quase 500 litros diários por carro!

Com o inquérito, agentes da Justiça fizeram a devassa nos documentos. Do nosso quartel, na cozinha da loja, fizemos estardalhaço. Todos os dias soltávamos rojão para lembrar que estávamos acompanhando tudo. Com camisetas, faixas e apitos fazíamos panelaços na porta da Câmara. Dos 13 vereadores, só dois não eram da bancada do prefeito. Ficamos em cima para conseguir a cassação.

Colocamos o caso nos jornais e na TV. O promotor comprovou as falcatruas. Entre os absurdos houve pagamento de R$ 180 mil a empreiteiras fantasmas, por obras que nunca existiram. Em abril de 2002 Buzzá renunciou e teve os direitos políticos cassados. Em maio veio o mandado de prisão. Ele fugiu. Em agosto, graças a uma matéria na TV, foi achado na fronteira com a Bolívia. Ficou quatro meses na cadeia.

Hoje sou assessora jurídica da cidade. Recentemente quatro vereadores foram filmados pedindo propina. Três renunciaram e todos estão sendo processados. É difícil manter essa postura numa cidade de 12 mil habitantes, onde se esbarra a toda hora nas famílias ligadas ao poder, mas acredito no meu papel de cidadã. A loja onde a gente se reunia virou a pizzaria Água Benta. Sugestivo, né? Ainda encontro minhas amigas lá, mas nossas conversas nunca terminam em pizza.

Investigue você mesma!


Com a repercussão do nosso caso, recebi pedidos de ajuda para combater corruptos pelo Brasil afora. Em 2002, acabei lançando, em parceria com a Amarribo, a cartilha "O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil". Confira algumas dicas:

*A união faz a força! Procure parceiros indignados como você. Junte-se a uma associação de bairros, ONG de cidadania, faculdade de direito, Ordem dos Advogados da sua cidade ou entidade religiosa.

* Exija os balancetes. Está claro na Constituição: gestores de verbas públicas têm obrigação de prestar contas. As prefeituras, subprefeituras e administrações regionais devem, a cada dois meses, expor os balancetes.

* Consulte a lei. Conheça a Lei Orgânica do Município e cobre informações, endereços, telefones e número do CNPJ dos que prestam serviços à prefeitura.

* Faça pesquisas na internet. Confira nas Juntas Comerciais das cidades se há registro das empresas que prestam serviços à prefeitura. É um jeito simples de fisgar empresas fantasma. Na web você consegue fazer a busca na página do Ministério da Fazenda. Procure CNPJ, entre em "Consulta Situação Cadastral" e digite o número do CNPJ.

* Um promotor pode ajudar. Vá ao Ministério Público e procure um promotor. Ele tem poder para solicitar informações, requerer documentos e tomar depoimentos de suspeitos.

* Vereadores podem solicitar uma investigação na Câmara. Qualquer cidadão pode fazer uma denúncia à Câmara Municipal. Faça aliados entre os vereadores. Dependendo da gravidade das provas, é aberta uma Comissão Especial de Investigação (CEI) para apurar desvios de verbas públicas.

Onde buscar orientação

*Transparência Brasil: entre os objetivos da ONG, há ajuda às organizações civis no combate à corrupção.

* Fala Brasil: órgão do Ministério da Educação que recebe denúncias sobre irregularidades na merenda escolar. Ligue para 0800 616161.

* Muitos casos de corrupção municipal envolvem verbas da União. Nesse caso, procure o Ministério Público Federal. No site há espaço para denúncias, inclusive anônimas.

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